segunda-feira, 2 de abril de 2012

Inclusão na creche: Relato de Pratica à Luz da Teoria.


Por Denise Beraldo Valente e Claudia Lopes dos Santos

Nosso Histórico e Primeiras Considerações:

No ano de 2011, no CEI Jardim Rodolfo Pirani, localizado no Jd Promorar, Zona Leste de São Paulo,  fomos presenteadas com o Berçario II A. Recebemos 18 crianças com faixa etária aproximada de 1 a 2 anos de idade. Dentre elas, a imensa oportunidade de trabalhar com Mariana, Mari-Mari, como a chamamos carinhosamente.
Mariana frequenta o CEI desde 2010  por ser a primeira criança portadora de  deficiente visual toda a  equipe educadora teve e tem um preocupação muito especial em estimula-la,   ao final percebemos que todas as crianças ganharam pela necessidade de ofertar mais situações que estimulasse outras sensações (tatil, auditiva e olfativa).


Em 2011 era nitido os avanços da Mariana pelo denso trabalho desenvolvido, sua autonomia era o reflexo de um trabalho responsável e coerente, desenvolvido por uma gestão competente, professores dedicados e equipe de apoio (técnica, auxiliar, limpeza) muito bem disposta.

O Inicio:

No início do ano, durante alguns  momentos oportunos da Jornada Pedagógica buscamos maneiras de aperfeiçoarmos nossos conhecimentos para atende-la na prática:
Ouvir as professoras que trabalharram com ela no ano anterior, como é a Mariana, seu histórico familiar, seus avanços durante o ano e suas necessidades. Desde o início foi fundamental a parceira com as professoras SHIRLEY ESTELA BENICIO e VALERIA CRISTINA PEREIRA PAULINO . Valeria, especialmente, foi a professora que recebeu Mariana no CEI, ela nos falou de suas especifidades, suas reais necessidades, suas caracteristicas e, desta forma, com o apoio da gestão, demos início ao trabalho.
Podemos nos embasar em Maria Salete Fábio Aranha (UNESP-Marília), quando nos explicita, no texto PARADIGMAS DA RELAÇÃO DA SOCIEDADE COM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, afirmando que:
“Não há modelos prontos, nem receitas em manuais. A sociedade brasileira ainda precisa tornar sua prática consistente com seu discurso legal.” (ARANHA, Pg 21)
Naturalmente ansiosas , porém totalmente amparadas, recebemos todas as crianças. Mariana, assim como todas e diferente de todas -  principalmente se considerarmos que ninguém é igual a ninguém - passou pela adaptação e acolhimento, já planejado em Projeto Institucional do CEI Jardim Rodolfo Pirani
Logo no início, em um movimento de proteção, notamos, que estavamos “protegendo” a Mariana durante alguns momentos. Ficávamos, por vezes, excessivamente próximas a ela e entregavamos tudo a ela primeiro.
“A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir” (FREIRE, Paulo, 1979:2011, 16).
Porém, rapidamente, em um movimento de reflexão, na medida que Mariana foi demonstrando suas potencialidades, percebemos o que a teoria já afirma: Mariana devia ser tratada como todas as crianças, respeitando suas especificidades, o que é natural em qualquer sujeito!



Formação Continuada – Condição Sine qua Non para prática de qualidade:

Como uma das formas de qualificar o atendimento, buscamos formação profissional no  Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual (organização da sociedade civil, sem fins de lucro e sem vínculos políticos ou religiosos http://www.laramara.org.br/portugues/index.php).
O curso aprofundou nossos conhecimentos e afinou nosso olhar. Como resultado: Modificou muito nossa prática. A nossa Diretora, Maria Gorete, solicitou que repassássemos no momento de formação do CEI o que apreendemos no curso, afim de construirmos uma cadeia formativa na Unidade.
Notamos, por meio de nossos registros escritos e fotográficos, que o conhecimento do curso privilegiaram não só a Mariana, mas o grupo como um todo. Nosso trabalho melhorou e o resultado era visível: refletia-se nas crianças.

Algumas Experiências Pedagógicas (2011):


Experiências de exploração da linguagem verbal

“Conversar é uma atividade que se inicia cedo, desde os berçários. Nessa fase da vida, as conversas são menos coletivas: o professor é o parceiro mais próximo da criança, com quem ela inicia suas primeiras conversas ainda com balbucios, gestos, etc. Ao longo do tempo, o trabalho pedagógico pode ser organizado de modo a possibilitar que a criança organize seus balbucios em expressões que podem ser compreendidas por qualquer falante de sua língua e inicie sua apropriação da linguagem oral.”
(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 81)


Experiências com a expressividade das linguagens artísticas


Mariana, com a Professora Valéria, no grande grupo em momentos de roda de conversa e roda de historia.

“Ao entrar no CEI, portanto, o bebê já será dono de um repertório musical, do qual farão parte sons familiares, músicas e canções entoadas pelas pessoas que conhece. No ambiente do berçário, este repertório se ampliará e novos sons passarão a fazer parte do mundo do bebê. Assim, é importante que os professores saibam que sua voz, as brincadeiras sonoras e canções que cantarão para as crianças estarão abrindo um canal comunicativo essencial para a integração do bebê na vida do berçário.
O canto do professor para o bebê estabelece um vínculo profundamente emotivo, e mais ainda se vem acompanhado do contato físico, do olhar e do seu próprio gosto por cantar.”
(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 120)


Experiências de exploração da linguagem corporal


“A dança recria os movimentos, sensibilizando a criança para o valor expressivo dos seus gestos. É também uma importante fonte de prazer, autoconhecimento e sociabilidade, promovendo a construção de novas possibilidades expressivas e o aperfeiçoamento dos gestos, uma vez trabalhados de modo intencional na dança. Por meio dela a criança enriquece seu potencial expressivo conforme aprende a
explorar movimentos leves ou fortes, rápidos ou lentos, percorrendo diferentes áreas do espaço, sozinha ou interagindo com parceiros a partir de uma música, imagem ou outro estímulo. Ela pode, progressivamente, utilizar o corpo como fonte de investigação criativa do mundo e de si mesma, de suas idéias e emoções, explorando as formas de expressão corporal presentes no seu grupo social e em outros grupos.”

(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 63)

Mariana gosta muito de dançar. Sabe diferenciar ritmos, sons e músicas. Dança sozinha ou acompanhada. Explora seu corpo com diversidade e competência. Conhece o mundo e interage pelo movimento. Nas festas, era nossa dançarina oficial!

 Experiências voltadas ao conhecimento e cuidado de si, do outro, do ambiente.


“O cuidar de si mesmo, o olhar-se com atenção e assumir as ações para o seu
próprio bem-estar, são atitudes que se aprende desde pequeno. Modos de cuidar são transmitidos por meio de práticas culturalmente instituídas e atualizadas de geração a geração. Ações muito simples, criadas nos momentos de lavar o rosto e as mãos, de arrumar o cabelo com cuidado, por exemplo, podem gerar aprendizagens sofisticadas de cuidar de si, com reflexos na imagem de si que cada criança está construindo. Também hábitos alimentares são aprendidos pela criança na relação com pessoas mais experientes, delas recebendo cuidados.
Na educação infantil, o professor é o principal parceiro da criança no aprendizado do cuidar de si. Ele necessita estar consciente do conteúdo simbólico das práticas que envolvem os cuidados voltados às necessidades físicas das crianças, além de ter um conhecimento básico sobre nutrição, metabolismo humano, saúde coletiva, processos infecciosos etc.”

(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 44)


Experiências de brincar e imaginar.

“O faz-de-conta é marcado por um diálogo que a criança estabelece com seus parceiros e mesmo com bonecos. Ele requer constante negociação de significados e de regras que regem uma situação conforme as crianças assumem papéis, o que faz com que o desenrolar do enredo construído pelas interações das crianças seja sempre imprevisível. Com isso a brincadeira cria novidades.
Por meio do brincar de faz-de-conta, as crianças buscam superar contradições, motivadas pela possibilidade de lidar com o acaso, com a regra e a ficção, e pelo desejo de expressar uma visão própria do real, embora por ele marcada. Na linguagem criada no jogo simbólico, dentro de uma atmosfera ‘como se fosse assim ou assado’, a criança recombina elementos perceptuais, cognitivos e emocionais, cria novos papéis para si e reorganiza cenas ambientais, criando espaço para a fantasia.”

(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 56)

Mariana adora pintar as unhas. Pedia frequentemente esta experiência. Após a pintura, ela passava um dedo sob o outro. Quem ela encontrava dizia: “Pinto, pinto a unha”.
Era um momento rico do faz-de-conta, como parte fundamental na importância do brincar e um aprendizado do autocuidado, com o qual,  sendo cuidada por um adulto afetivamente e fisicamente, ela aprendia a cuidar de si.


Experiências de exploração da natureza e da cultura:



“Elas podem aprender que há múltiplas culturas feitas pelos homens, cada uma delas rica em elementos simbólicos, em produtos artesanais, artísticos e técnicos.”

(Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007: 100)
Preparamos para o Berçario II A uma Vivência Yoga no CEI - http://paraalmdocuidar-educaoinfantil.blogspot.com/2011/09/vivencia-yoga-no-cei.html.
Mariana participou ativamente, observa com os cinco sentidos...


Considerações Finais:

Gostaríamos de ressaltar, por tanto, a necessidade de avançarmos no processo, não apenas de incluir, mas também de promover acesso e participação real. Referimo-nos à participação de qualidade a partir de uma consciência coletiva, não somente no espaço escolar, mas principalmente nos espaços sociais. 
Segundo Maria Salete Fábio Aranha “Não adianta prover igualdade de oportunidades se a sociedade não garantir o acesso da pessoa com deficiência a essas oportunidades. Muitos são os suportes necessários e possíveis de imediato. Outros demandam  maior planejamento a médio e longo prazos. Todos, entretanto, devem ser disponibilizados, caso se pretenda alcançar uma sociedade justa e democrática.” (ARANHA, Pg 21).
À Mariana, nossa Mari-Mari, nossas saudades e imenso desejo de sucesso, acesso,  superação e participação.
A todas as Marianas...que suas necessidades sejam atendidas, que a lei seja cumprida!



 




BIBLIOGRAFIA
ARANHA Maria Salete Fábio (UNESP-Marília). PARADIGMAS DA RELAÇÃO DA SOCIEDADE COM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. Disponível em http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/08dez08_biblioAcademico_paradigmas.pdf.  Acesso em 10/Fevereiro/2012
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Paz e Terra, 2011.
Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagem e Orientações Didáticas Educação Infantil – Prefeitura de São Paulo, 2007.
SILVA, Saulo César da. Os estereótipos sociais e as narrativas: a construção das identidades sociais da pessoa com deficiência visual. 2008. Disponível em http://www.pasoapaso.com.ve/CMS/images/stories/variospdfs/saulosilva.pdf. Acesso em 10/Fevereiro/2012




7 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns às professoras. Demonstrando que a inclusão implica em preparação, fundamentos prático/conceptuais e muita disposição em fazer do conhecimento uma ação benéfica para o desenvolvimento de nossa sociedade. Excelência e qualidade, apesar das dificuldades muitas vezes enfrentadas, são características de profissionais equipadas e bem formadas como vocês!! Parabéns!

Anônimo disse...

Gostaríamos de agradecer imensamente ao Prof Dr Ronaldo Balsalobre, docente no curso de Pedagogia da Faculdade Sumaré, disciplina de Educação Inclusiva, o qual, com seu conhecimento agregado a sua dedicação, ajudou-nos com a teoria a afinar nosso olhar e qualificar nossa pratica. Obrigada. Denise Beraldo

Para Além do Cuidar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Que saudades da Mari, Mari e do Felipe. Dois casos de sucesso na inclusão pelo compromisso dos educadores e das famílias que correm atrás do direito dessas crianças e acreditam na competência de cada um.

Sorayah A Sanntos disse...

É lindo e extremamente fantástico para o desenvolvimento humano o trabalho de inclusão... Parabéns a todos que promoveram e que ainda irão promover tamanha oportunidade de crescimento a todos.

Anônimo disse...

Que bom que vocês fizeram parte de nossa U. E. Obrigada pelo compromisso. Mariana continua lida, IGUAL a todas as crianças. Costumo dizer que quem tem problemas de visão somos nós os adultos. Saudades!
Goreti Marinho

Anônimo disse...

Maria Gorete e Equipe do CEI Rodolfo Pirani,

Também sentimos saudades!!!
Agradecemos pela sua gestão exemplar que possibilitou a nós, professoras, a oportunidade de aplicar um pouco do que sabemos embasadas no que estudamos e acreditamos. Neste sentido, a gestão é base para o papel do professor. Isso envolve uma Unidade comprometida, com pessoas que sabem, de fato, suas funções.
Parabéns pelo exemplo.
Estamos realizando novas experiências, e, com elas, afinando nosso olhar, aprendendo novos saberes e compartilhando de diferentes pontos de vista. Acreditamos ser fundamental, para a formação e repertório do profissional, a aquisição de experiências diversas. Este movimento qualifica nossa pratica e amplia a rede do saber!

Podemos concluir com uma releitura da frase de um Grande Homem:
“Para realizar algo que nunca se viu, é preciso fazer algo que nunca se fez!”

Um grande Beijo
Denise Beraldo e Claudia Lopes.